Eleições sindicais como processo
Francisco Gérson Marques de Lima
Professor da UFC, Doutor, Procurador Regional do Trabalho
As eleições sindicais constituem um processo democrático de escolha de dirigentes sindicais. Fora desta assertiva, não é seguro falar em legitimidade sindical nem em representatividade.
Quando se fala em processo democrático, significa dizer que o pleito deverá se sujeitar aos princípios da democracia, a qual requer o asseguramento da participação isonômica de todos os envolvidos (candidatos, chapas, eleitores, correntes políticas…). “Democracia” implica transparência, liberdade de escolha, igualdade de armas, livre concorrência, publicidade de atos, respeito ao direito das oposições etc. Estes são norteamentos inerentes à própria concepção de Democracia, na qual se inserem as várias formas de escolha de representantes. A eleição é uma destas formas. Mas convive, também, com institutos como o plebiscito, o referendo, a consulta etc. Sendo tais balizamentos parte intrínseca do conceito de Democracia, eles são aplicáveis tanto aos pleitos conduzidos pelo Estado ou realizados no âmbito da representação política estatal quando no exercício da política corrente nas entidades privadas, aí incluídas, por exemplo, as associações, os sindicatos, as corporações, as cooperativas e os Conselhos.
O outro ponto mencionado na assertiva que inicia esta opinião é o processo. De fato, as eleições não são atos isolados ou unitários. Constituem-se numa série concatenada, ordenada e sequencial de vários atos. Esses atos podem se agrupar em etapas ou fases específicas, por exemplo: etapa da definição do colégio eleitoral (formação da listagem preliminar, acesso pelas chapas, impugnações, manifestações, definição pela Comissão e publicidade), de registro de chapas (inscrição, impugnações, defesa, decisão e recurso, o qual pode ser diferido), de votação (instalação de urnas, colhimento do voto, apreciação de incidentes, fechamento e lacre das urnas, elaboração do relatório de votação), etapa de apuração (instalação das mesas apuradoras, verificação da integralidade das urnas, análise de validade das cédulas, julgamento dos incidentes inerentes a esta etapa, verificação de quórum, batimento de lista de votantes, contabilização dos votos, totalização e proclamação do resultado). Acresçam-se, ademais, atos como publicação de editais, ata da assembleia, a constituição da Comissão Eleitoral, elaboração do regulamento eleitoral, constituição da Comissão Apuradora e outros.
O processo deve ser lógico e razoável, a fim de não comprometer a livre concorrência e para que se evitem as “pegadinhas”, o que poderia ocorrer com prazos exíguos para inscrição de chapas. Todos os prazos precisam ser úteis; quer dizer, suficientes e adequados para que seus destinatários possam praticar eficazmente os atos a eles referentes. A “sequência” das etapas e dos atos deve garantir segurança e ser finalística, sempre primando pela igualdade de armas entre as chapas e candidatos concorrentes.
O pleito deve ser conduzido com lisura e imparcialidade, sob pena de acarretar nulidades. Algumas nulidades, conforme a sua natureza, podem afetar apenas determinado ato ou toda uma etapa; outras, podem comprometer todo o processo. Existem aquelas que, por admirem recomposição, são apenas relativas, podendo ser convalidadas, haja vista que o prejuízo causado foi mínimo, não feriu mortalmente princípios de democracia, a ordem pública nem a vontade da categoria. Há outras nulidades, no entanto, que comprometem umbilicalmente o processo eleitoral, em tal dimensão que todos os atos precisam ser refeitos, não sendo admissível a convalidação do que se praticou; são as nulidades absolutas.
Quem estabelece as etapas e a sucessão de atos são os estatutos sindicais, os quais são livres para regular a matéria, por consequência do princípio de liberdade sindical, que abrange a autonomia organizacional e administrativa interna. Quem decide sobre as normas a comporem os estatutos não são as diretorias, são as assembleias, as quais são soberanas. No entanto, tal liberdade ou “soberania” não é absoluta, eis que a Democracia é estruturante de todas as relações representativas no Brasil, encontrando-se, ainda, dentre os direitos fundamentais de quarta dimensão (participação, democracia, informação e pluralismo). Logo, as regras estatutárias se submetem aos comandos constitucionais, à ordem pública e aos princípios de Democracia.
E onde entra a legitimidade sindical?
Bom, não é possível chamar-se de legítima uma entidade ou uma diretoria que não se submete a processos democráticos, ao crivo da vontade dos representados. Somente se houver relação de afinidade entre representantes e representados é que se pode afirmar a legitimidade do poder. Mas, para esta aferição, a manifestação dos representados precisa ser livre, isenta de vícios, o que se dá por meio de mecanismos que a doutrina e a experiência democráticas têm apontado. Deveras, de outro modo não haveria como os representantes terem certeza da real vontade dos seus representados.
A partir da constatação da legitimidade é que o fenômeno da representatividade normalmente se expressa, na forma de credibilidade social e do peso que as entidades e suas diretorias possuem, isto é, da capacidade de influenciar terceiros e do poder de defender os direitos e as reivindicações dos associados ou da categoria. A defesa é tão mais forte quanto mais consistente for o empoderamento da entidade.
Estes são, portanto, alguns aspectos analíticos do processo eleitoral, em que todas as etapas e todos os atos são importantes e devem ser assinalados pela democracia, em respeito à vontade dos representados.